Notas
Jovem perde noivo para a Covid-19 no dia do casamento: ‘Nossos sonhos ficaram para trás’
Bruno Silva tinha 30 anos e morreu em Assis (SP) no dia 17 de abril, data em que se casaria com Beatriz Miranda, após um relacionamento de 11 anos.
Por Gilmara Melo*, G1 Bauru e Marília
Um jovem de 30 anos morreu de Covid-19 em Assis (SP) no dia em que se casaria com a namorada. A data do casamento estava marcada havia um ano e deveria ter sido o dia mais feliz das vidas de Bruno Silva e Beatriz Miranda.
A noiva conta que todos em sua casa contraíram o coronavírus, mas apenas Bruno evoluiu para o estado grave da doença. Depois que a jovem fez o teste para a Covid-19 e o resultado foi positivo, o noivo começou a trabalhar em home office e ficou isolado com a família.
No entanto, ele começou a apresentar os sintomas da doença no dia 27 de março e buscou atendimento na UPA da cidade no dia 30, com falta de ar e dores no corpo. No dia 31 de março, o publicitário foi transferido para o Hospital Regional de Assis, conta a noiva.
Ainda de acordo com Beatriz, uma tomografia foi feita no hospital e os médicos constataram que ele já estava com 50% do pulmão comprometido pelo coronavírus. Bruno ficou internado por 10 dias na clínica, mas o quadro começou a se agravar e ele precisou ser transferido para a UTI, onde acabou morrendo no dia 17 de abril, data em que se casaria.
A vítima apresentava baixa saturação e cansaço excessivo para fazer movimentos simples, como se sentar, trocar de roupa e tomar banho. Segundo a jovem, dois dias antes de vir a óbito, o pulmão dele já estava 85% comprometido pela doença.
«Ele foi para a UTI depois de 10 dias, porque a saturação estava abaixando. Conseguimos uma vaga, ele ficou uma semana e depois fez uma nova tomografia, que detectou que ele estava com 85% do pulmão comprometido, dois dias antes de falecer. Ele foi intubado na quinta-feira, dia 15, às 9h. Mesmo com a máscara VNI, ele não conseguia respirar, e faleceu no dia 17, sábado», conta a noiva.
A possibilidade de intubar Bruno começou a ser cogitada ainda no início da semana em que ele morreu devido à baixa saturação apresentada. Beatriz explica que, depois de um dia com a saturação um pouco melhor, a família começou a ter esperanças, mas, no dia seguinte, o quadro da vítima piorou e o médico disse a eles que se o paciente não fosse intubado não resistiria.
«A hipótese de intubar começou na terça (13). Na quarta (14), a saturação subiu um pouquinho, ele deu uma melhorada, conseguiram fazer a VNI, mas, quando foi na quinta (15), ele já apresentou uma piora, e o médico disse que ou intubava ou ele morreria», relata Beatriz.
A doença evoluiu muito rápido em Bruno. Apesar de ser sedentário, ele era jovem e não tinha nenhuma comorbidade, mas o comprometimento do pulmão fez com que passasse a sentir grande dificuldade não só para se movimentar, mas também para falar.
A mãe da vítima, Ivani Aparecida, diz que, na semana em que veio a óbito, Bruno já não tinha mais energia para conseguir falar sem dificuldade. Ela recorda que, em uma das conversas que teve com o filho, leu a palavra «medo» nos seus lábios. O pai de Bruno não continha a emoção toda vez que tentavam falar com o filho.
«Eu falava para ele: ‘você não precisa ficar falando’. Na primeira vez que falamos com ele, ele já não conseguia falar, estava fraco e o pai dele até chorou de preocupado. Eu só mandava vídeos bons para ele e pedia para ele não responder e ele ficava respondendo por emoticon. Ele queria casar, dizia que queria casar. O Bruno falava, mas não saía a voz, a gente lia nos lábios dele a palavra ‘medo’. Ele tinha muito medo e já não conseguia mais falar.»
Beatriz conta que Bruno não deixou as enfermeiras tirarem a sua aliança durante a internação por Covid-19 — Foto: Beatriz Miranda/Arquivo pessoal
Planos interrompidos
O casamento era um sonho de Bruno e da noiva. O casal tinha um relacionamento de 11 anos, que começou ainda na adolescência, e dois filhos: Nicolas, de sete anos, e Miguel, de quatro anos.
Havia muita expectativa para a união. As fotos e os vídeos para a festa já haviam sido preparados e tudo estava pago. Beatriz conta que o desejado vestido de noiva também estava sendo finalizado.
Devido à pandemia, eles já haviam decidido que iriam adiar a festa, mas a definição de uma nova data não aconteceu. Já que, depois que a noiva apresentou sintomas do coronavírus, a preocupação com a doença e os acontecimentos que se sucederam tiraram o foco da data especial.
«A festa estava toda pronta, vestido já tinha mandado fazer, festa paga, buffet, estávamos planejando havia um ano. Alguns dias antes, cerca de 15 dias, chegamos em um acordo e decidimos adiar. Mas, como eu comecei a ter sintomas e tudo, aí a gente tirou o foco de conseguir uma nova data», explica Beatriz.
O desejo de oficializar a união acompanhou Bruno durante todo o período em que esteve internado. A mãe e a noiva contam que, nas conversas por celular durante sua internação, antes de ir para a UTI, ele falava que queria muito se casar. Após sua morte, uma enfermeira contou que ele também não deixou que tirassem a sua aliança no hospital.
Beatriz recorda a emoção que sentiu ao assistir a vídeos gravados por eles para serem exibidos apenas na festa e acrescenta que a data do casamento foi escolhida porque no dia 18 eles completariam 11 anos de relacionamento.
«Fizemos o pré-wedding e um vídeo com um depoimento um para o outro e eu fiquei emocionada com a empolgação dele com o casamento e ele falando o que esperava. A data foi escolhida no dia 17, porque no dia 18 completamos 11 anos e ele citou isso no vídeo até. Uma enfermeira da UTI do Regional me disse que ele não deixou tirar a aliança em momento algum.»
Para passar por esse momento trágico, Beatriz diz que precisou buscar ajuda psicológica e que demorou alguns dias para conseguir contar aos filhos sobre a morte do pai, já que sua avó havia morrido em fevereiro por conta da Covid-19 e a família já vinha sofrendo com essa perda.
«Eu fui atrás de ajuda psicológica. Eu tento manter o Bruno sempre presente, dizendo que o papai está aqui. Eles já estavam conformados com a bisa ter ido para o céu, ter ‘virado estrelinha’ e eu não conseguia dar a notícia. Só depois de quatro dias eu consegui conversar e dizer que o papai ‘virou estrelinha’ e que ele estava aqui com a gente.»
A morte de Bruno surpreendeu toda a família, que tenta superar a dor de uma perda marcada por um dia que poderia ser de tanta celebração para todos.
«Ele tinha 30 anos, nenhum problema de saúde, era uma pessoa sedentária, mas não tinha nenhum problema de saúde e era um paizão, um marido exemplar. Está sendo bem difícil, todos os nossos sonhos ficaram para trás. Eu mandei fazer meu vestido, cada detalhe…é muito difícil. O foco dele era só decolar, ir para frente.»
Ivani acreditava que logo o filho estaria em casa e conta com tristeza sobre os momentos em que o viu sofrer sem conseguir falar e por ter morrido em um momento em que estava alcançando os seus sonhos. Bruno deixou a esposa, os pais, amigos e dois filhos.
«Eu dizia que a mãe tava orando e confiava nos médicos e ele iria se recuperar. O mais duro ainda é enterrar um filho sem saber se ele está ali dentro, porque eles não deixam a gente ver, o caixão é lacrado, e ficamos com aquilo na cabeça, como se a qualquer momento ele fosse aparecer. Ele era um menino cheio de sonhos e estava realizando um de cada vez aos pouquinhos», conta a mãe, emocionada.
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