Notas
A dificuldade que é escrever sobre feminismo na internet
(*) Nathalí Macedo
Escrever na internet não é tão fácil quanto, à primeira vista, pode parecer: lançamos nossas opiniões mais íntimas no oceano incerto do mundo virtual. Milhares de pessoas nos conhecerão de maneira talvez mais visceral que os nossos amigos mais chegados. Protegidas por uma tela de computador, elas podem tudo: nos amar, nos acusar, nos insultar. Por uma mesma opinião podem nos achar brilhantes ou completos imbecis. Podem se tornar aliados ou nos declarar guerra.
Nos despimos por completo – não o corpo, o que, à esta altura, já é facílimo e banal, mas a alma, onde poucos têm coragem de se desnudar. A cada postagem, declaramos aberta a sessão de julgamento, e, garanto: é preciso psicológico preparado e santo forte. Ossos do ofício.
Mas escrever sobre feminismo na internet, arrisco dizer, é infinitamente mais difícil. Não pelo público – que apoia, critica, colabora e desconstrói – mas pela censura silenciosa da maioria dos espaços virtuais. E neste ponto eu posso dizer que isto é quase uma denúncia, uma narrativa meticulosa dos bastidores do conteúdo virtual.
Tentei escrever sobre feminismo em todos os sites que me deram algum espaço: uma ideiazinha aqui, um recado sutil ali, uma ideologia contextualizada acolá… Era, muitas vezes, impossível ser direta. Depois da entrega de uma deadline sobre assédio sexual, a resposta desistimulante: “Acho que esse conteúdo é um pouco forte, feminista demais. Vamos tentar algo mais leve? Porque você não escreve sobre amor?”
Bem, eu adoro falar de amor. Mesmo. É quase uma terapia. Mas em um país onde milhares de mulheres morrem vítimas do machismo e um deputado propõe a criminalização da pílula do dia seguinte, não dá pra falar só de amorzinho e dormir tranquila. É nossa obrigação moral usar o nosso ofício para falar do que interessa, do que constrói, do que acrescenta: política, feminismo, educação, igualdade.
E é dever de cada leitor que ainda se indigna diante dos rumos que a sociedade vem tomando se inteirar sobre isso: o que está acontecendo à minha volta e o que eu posso fazer para mudar isso? Bem, nós fazemos.
E a boa notícia é que temos cada vez mais voz pra isso. Cada vez mais as mulheres têm vez, dentro e fora do mundo virtual. As leituras leves e poéticas têm, sim, o seu lugar: mas reservemos um tempo para pensar sobre o que o sistema não quer que pensemos. Façamos jus à tão dificultosa liberdade de expressão – porque, acredite, ainda no século XXI há censura – e prestemos atenção nos espaços que nos dão a chance de difundirmos uma liberdade lúcida.
Em bom português e sem firulas: escutem a imprensa que escuta as mulheres.
(*) Colunista, autora do livro «As Mulheres que Possuo», feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua. Canta blues nas horas vagas.
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